“Saímos da internet” dizia um dos tantos cartazes levados à última manifestação realizada em São Paulo contra o aumento das passagens, na quinta-feira. A frase respondeu em poucas palavras a uma provocação que se vê frequentemente nas redes sociais e, também, mostrou para toda sociedade a origem do ato e de uma série de mobilizações que vêm se propagando pelo mundo nos últimos anos.
O potencial de mobilização a partir da internet sempre foi colocado à prova. Primeiro pela ideia errônea de que seus usuários são, em sua maioria, abastados e mimados jovens burgueses que desconhecem os problemas e as deficiências que a sociedade enfrenta. Certo é que não só no Brasil, mas no mundo, o alcance da rede amplia-se a passos largos. De acordo com relatório publicado em outubro pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), mais de um terço da população mundial está conectada à internet. No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2011, o percentual de pessoas que utilizaram a internet passou de 20,9%, em 2005, para 46,5%, em 2011 – um crescimento vertiginoso da ordem de 21 mil novos acessos ao dia. A mesma pesquisa mostra que, em 2005, só 24,1% dos alunos da rede pública usavam a internet, esse número passou para 65,8%, em 2011.
A provocação para sair da internet sempre esteve colocada na medida em que esses jovens são diretamente relacionados à inércia de um grupo sem propósito e sem vontade política para sair às ruas por uma causa nobre. A lógica que prevalece é a de que não existe revolução que surja desse universo. Uma lógica cega ao que vem sendo sinalizado há anos. Surpreende-se quem está alheio a esse movimento.
Eles saíram, sim, da internet, mas não fizeram isso na semana passada. Em 2008, uma manifestação organizada pela internet reuniu nove mil pessoas em protestos realizados em frente a vários templos da cientologia em todo mundo. Um número muito acima da expectativa dos organizadores – integrantes do grupo de hacktivistas Anonymous. O grupo provava a capacidade de mobilizar atos além da rede e suas ações ganharam destaque e impacto em todo mundo. Para quem tiver interesse em conhecer melhor essa história e como os hacktivistas atuam desde então, inclusive com participação na Primavera Árabe, recomendo o documentário “We are legion”. Aqui, você assiste na íntegra.
Manifestantes em protesto contra a cientologia em Los Angeles
Foto: Vincent Diamante/Creative Commons |
Sem partidarismos
No Brasil, a atuação do Anonymous e de outros grupos não tardou. No mesmo ano, ataques a sites reforçavam descontentamento com a corrupção. O grupo nunca pleiteou liderança e sempre coibiu manifestações partidárias. Essa não é uma realidade só no Brasil, mas também presente no Brasil.
Não são as máscaras do Guy Fawkes nas manifestações pelo passe livre que mostram semelhança com essa nova forma de expressão, mas a própria característica dos atos – sem menção partidária pela maior parte do grupo e sem liderança. Desde a semana passada é discutida a participação de partidos políticos no movimento, mas, embora despontem bandeiras nas manifestações, a maioria dos participantes repudia essa relação.
O quinto ato agendado para ocorrer em São Paulo está marcado para as 17h desta segunda-feira. Na página do evento no Facebook mais de 210 mil pessoas confirmaram presença na mobilização até a noite de domingo. Entre os debates promovidos pelo grupo, vários discutem a permanência de integrantes com bandeiras partidárias no ato e a maioria dos participantes dos fóruns critica partidarismos, assim como os atos de vandalismo e a violência. Uma das enquetes pergunta se os manifestantes devem levar bandeiras de partidos políticos – dos participantes, até a noite de domingo, 4.183 dizem não, 134, sim, e 2.469 são favoráveis às bandeiras do Brasil. A crítica do grupo se estende a qualquer outra bandeira que não seja a nacional.
Independentemente da adesão à ideologia Anonymous, os jovens presentes nas manifestações contra o aumento no valor das passagens em todo País estão longe de ser contra um ou outro partido no poder como muita gente tem pregado por aí. O que eles estão colocando em xeque não são os partidos políticos, mas a forma de se fazer política no Brasil. Há discordâncias, sem dúvida, entre os manifestantes, mas essa juventude não parece priorizar partidos, mas sim opções políticas. Afinal, não é de hoje que o mundo precisa rever seus modelos econômicos, políticos e sociais. Ou alguém ainda acredita que não haveria qualquer transformação a partir do alcance promovido pela internet? As manifestações e as opiniões propagadas a partir delas mostram que nem a polícia, nem a sociedade, sabe como lidar com essa juventude.
Não são 20 centavos
Se cada um dos 200 mil confirmados para manifestação de hoje, levar R$ 0,20, juntos terão R$ 40 mil, valor suficiente para comprar 104 cestas básicas em São Paulo. São só 20 centavos, mas é possível ver claramente a aplicação desse valor nesse caso. Já não se pode dizer o mesmo em relação às passagens de ônibus.
Segundo apuração do Estadão, em oito anos, o número de passageiros transportados pelo sistema municipal de transportes de São Paulo passou de 1,6 bilhão, em 2004, para 2,9 bilhões, em 2012. Ao passo que o número de coletivos reduziu no mesmo período, passando de 14,1 mil, em 2004, para 13,9 mil, no ano passado – com o detalhe de ter sido reduzido o número total de viagens feitas pelos ônibus. O valor arrecadado subiu e chegou a R$ 4,5 bilhões, em 2012, ante R$ 3,3 bilhões, em 2004.
O metrô também vê crescer o número de passageiros na mesma proporção, segundo dados do próprio sistema. Em 2005, a rede transportava, nos dias úteis, 2,4 milhões de pessoas. Atualmente, a média está em 4,5 milhões de passageiros por dia. Diante desses números, 20 centavos não são só 20 centavos e não me parece bobagem contestar aumentos. Mas a luta não está restrita aos transportes. Voltando às discussões do grupo na internet, outra enquete sugere uma pauta com 10 reivindicações – as mais votadas: melhores salários para os professores, educação de qualidade, reforma tributária, mais saúde, não à PEC 37, fim do voto secreto no Congresso, contra a corrupção, mais segurança, ampla reforma política e diminuição do salário dos políticos. A vontade de opinar e participar dos rumos do País são latentes e é preciso que o poder público pense em formas de integrar mais a sociedade em suas discussões, de maneira séria e eficiente, sob pena de ver-se confrontado repetidamente à exaustão. Outra coisa importante a salientar, caso ainda não tenha sido percebido, é que esses jovens repudiam a corrupção - qualquer centavo destinado ao atendimento de interesses que não sejam os da sociedade ou ao enriquecimento ilícito pode ser, sim, a gota d'água.
Não subestimem esses jovens, mesmo que uma minoria entre eles incorra no erro do engajamento político cego e outra parcela minoritária transforme em baderna a manifestação. Esses jovens querem e vão lutar por outros motivos. Como qualquer grupo, em qualquer período histórico, eles podem errar ao defender uma causa em detrimento de outra. Da mesma forma, correm o risco de tornarem-se alvo fácil de grupos (políticos ou não) oportunistas, mas eles estão agindo, ganhando voz e respeito. E a voz que se propaga na queixa deles amplifica as vozes de toda a sociedade. Não subestimem esses jovens que descobriram o poder que têm.